21 outubro 2005

33. Vida de Nómada

O cenário do meu nascimento foi o ger (tenda) dos meus pais. Os meus filhos nasceram no hospital da aldeia.
Na infância aprendi as tarefas e a cultura nómada. Montar e dominar cavalos e camelos, pastorear e ordenhar cabras e ovelhas, cozinhar com a carne e o leite dos animais. Aprendi a responsabilidade dos afazeres e a comportar-me socialmente.
Casei com a minha mulher (por entendimento inter-familiar) em três dias de celebrações. O primeiro apenas com a família próxima, o segundo com os amigos mais chegados e o terceiro em reunião social mais alargada. As oferendas do matrimónio consubstanciaram-se num ger e respectivo recheio (fogão a lenha, trem básico de cozinha, duas camas e duas cómodas pequenas), e numa partição do gado familiar.
Mudamos de paragem três a quatro vezes por ano, fugindo das zonas mais frias, sempre em busca das melhores pastagens. Temos no entanto morada postal na aldeia (uma espécie de apartado). É lá que estamos registados como cidadãos e onde exercemos o direito de voto (novidade pós anos 90).
A nossa riqueza material mede-se em cavalos, camelos, iaques, vacas, cabras, ovelhas e ainda cães. Comemos a carne de todos, menos dos cães, que são insubstituíveis na guarda dos gers. De quando em vez sacrificamos um animal para alimentação, estando reservada a matança de um camelo ou de um cavalo para os períodos de Inverno duros.
O dia-a-dia desenrola-se em ordenha e pastoreio dos animais, apanha e secagem da bosta destes (único combustível existente para o fogão), transporte de água dos poços próximos, cozinhar, comer e beber e, ocasionalmente, caçar uma raposa ou um antílope.
Agora que temos um painel um fotovoltaico, acumulamos energia numa bateria e, durante a noite, podemos ter luz eléctrica, ouvir rádio e ver televisão via satélite. Transportamos todos os nossos pertencer numa carroça puxada por um camelo e para as deslocações rápidas utilizamos uma bem oleada motorizada.
Raramente tomo banho. A parca água com que lidamos diariamente é racionada para sucintas lavagens corporais e de loiça. O nosso ger adapta-se às variantes do clima: mais ou menos camadas de feltro (lã animal prensada) consoante o frio e mesmo um oleado para quando neva ou chove.
Quando morrer serei enterrado na estepe ou na montanha. Junto a outras sepulturas ou não... dependendo sempre da transumância.

4 comentários:

Anónimo disse...

Melhor post até esta data!
Sucinto, directo e esclarecedor sobre o que são os nómadas e como "sobrevivem"!
"..Agora que temos um painel um fotovoltaico, acumulamos energia numa bateria e, durante a noite, podemos ter luz electrica, ouvir radio e ver televisao via satelite... "
Comment: mais um povo que sucumbiu à força da inevitabilidade... e da mordomia.

Anónimo disse...

O que não daría um estudante de antropologia (ou de etnografia) para poder assistir in loco ao que tu nos contas aqui.

Tens razão, Simon, não deixa de ser curioso o facto de poderem ter acesso a esse tipo de 'avanços tecnológicos'.Belo contraste!

xxx
inês

Anónimo disse...

Também gostei muito deste post! E das respectivas fotografias: uma tenda com porta de casa; um cavaleiro mongol com óculos de aviador sobre o boné; e, que nem ginja sobre o creme, um camelo bactriano atrelado a uma carroça com rodas de UAZ!

El-Gee disse...

fantástico