10 outubro 2005

21. Nikita's - backpackers paradise?

No bus das 8:10 para Khuzhir (aldeia capital da ilha de Olkhon) estavam surpreendentemente 11 backpackers. 4 Suíços, 1 Canadiano, 1 Finlandesa, 3 Sul Coreanos e 2 Portugueses; todos alimentados pelos mesmos guidebooks que referem o hostel Nikita's como o premium backpackers place to stay. Uma vez lá instalados os comentários voavam: "UAU; best place I've seen in Russia; so cheap and such great food; lots of exciting things to do!". O Nikita's funciona há 15 anos e domina o turismo budget da ilha. É uma propriedade não muito grande mas recheada de log cabins com quartos, cozinhas, refeitórios, banhos, etc. Comparando com os altos preços que se praticam na Rússia, o Nikita's é um achado! Tem imensas pessoas ao seu serviço, o que faz pensar como é possível a sua viabilidade económica... quanto receberá a cozinheira que nos serve?... e o Mongol que nos acende a lareira?...Não fosse a eterna repulsa que ganhei às composting toilets só teria maravilhas a dizer do Nikita's... se gostasse apaixonadamente de backpackers paradises... Confesso!... talvez seja da idade... mas há algo que me é insatisfatório. Será porque as palavras mais recorrentes dos convívios são cheap e expensive?... ou porque alguns companheiros parecem anestesiados de tanto verem e nada fazerem?... mais objectivamente: sinto que quando a densidade de mochileiros aumenta, bate-nos mais de frente a ideia que a linha que separa o turismo budget do outro turismo é muito ténue... andamos todos pelos mesmos paths... guiados pelo mesmo lonely planet... afinal tão povoado. E no entanto foram todos tão simpáticos, tão anti-moscovitas!

o nosso quarto na log cabin; Khuzhir; os companheiros de hostel, na excursão ao norte da ilha, de volta de um santuário xamã

4 comentários:

El-Gee disse...

Caros,

de facto, é ténue, a linha que separa os vários tipos de turismo. a razão para isso acontecer é que os drivers de qualquer turista/viajante assentam sempre sobre os mesmos eixos. Simplesmente um backpacker dá mais valor a certos eixos (genuinidade, conhecer pessoas, liberdade) e um reformado a outros (conforto, sol, segurança..) - isto para citar os dois extremos.

Onde quero chegar, é que o Lonely Planet ou o Routard são iguais ao Fodor's ou ao Eyewitness, com a diferença de se direccionarem a um target diferente, mas com as mesmas necessidades: ter onde e como dormir (uns em resorts, outros em ger), comer (uns em fast-food, outros nos mercados locais), ou movimentar (uns de avião, outros de 4x4). Estas são necessidades comuns a qualquer viajante, que os tornam literalmente iguais entre si: todos são estrangeiros por um período de tempo num determinado sítio.

Eu próprio gosto do melhor dos dois Mundos, mas sou mais um backpacker, e sinto que estou mais próximo de ser um viajante com esse perfil; no entanto, considero que cada tipo de viajante tende a considerar "melhor" o seu tipo de viajar vs. o do outro, quando na verdade a necessidade suprida por uma viagem é geralmente comum a qualquer tipo de pessoa que viaje: curiosidade, prazer, descoberta, abertura mental, conhecimento, cultura. (Estou a excluir "descanso", pois considero que ir passar uma semana à praia no Brasil nao é "viajar", mas sim "tirar férias", uma experiência diferente).

Portanto, sim, somos todos iguais, e por termos um Lonely Planet não somos melhores ou piores viajantes, nem pessoas mais genuínas, simplesmente olhamos para a viagem com um olho mais interactivo e profundo, o que não implica - pelo contrário - que os nossos objectivos mais íntimos (do ponto de vista da viagem) não sejam, em suma, muito parecidos com o da pessoa que vai numa excursão em grupo.

O que pode ser (e é) diferente, isso sim, são as experiências da viagem em si.

Mas mesmo aí, a "liberdade" do backpacker é um conceito falsificado, já que a própria definição de "backpacker" é "biased", isto é, define à partida um conjunto de pressupostos que, porquanto o principal seja "liberdade e autonomia", são eles próprios limitativos à espontaneidade.

Por exemplo, se o facto de não ter onde dormir e acabar por ser acolhido a altas horas da noite por um nativo é a definição de um backpacker, já partir com a intenção de estar perdido e ser acolhido eventualmente por um nativo é uma postura completamente diferente, quase semelhante a partir com a intenção de dormir num hotel.

Por isso, e pegando no vosso tão perspicaz desabafo, creio que o mais especial numa viagem não é o carimbo que lhe imprimimos à partida ou o estilo de viajantes em que achamos incluir-nos, mas sim a forma como soubermos fazer o melhor de cada momento e a maneira como, perante cada pedaço de terra nova ou pessoa desconhecida, fazemos aquilo que nos dá mais prazer.

Entendo que é bom percorrer caminhos não percorridos por mais ninguém, mas acho que, se esse for o principal objectivo, corremos o risco de nos vender demasiado a esse ideal, limitando a verdadeira liberdade, que é a de decidir a cada dia que passa que passo seguinte nos dá mais prazer.

Parabéns pelo blog, que está brutal e muito bem escrito, desenhado e documentado (fotogs).

Anónimo disse...

Caro El Gee,

E nós a pensar que este fora do mapa era notícia do jornal de ontem, fechada e arquivada no eterno acumular de megabybes com que os blogs hoje sobrecarregam a www! Eis senão quando nos deparamos com um comment do calibre deste. No meio da nossa incredulidade e embaraço, agradecemos as válidas reflexões lá contidas e só pedimos desculpa pelo tardar da reacção.

Para agravar o choque, soubemos este fim-de-semana, completamente por acaso (desculpem os descrentes nestes fenómenos do acaso), que o nosso querido blog veio referenciado no programa de televisão 2010-Magazine de Ciência da RTP 2. Eis o comentário no site http://2010.tugabuga.com/SitesSemana.aspx:

“Uma viagem que se conta em blog, mostra-se também nas fotos que se foram recolhendo pelo caminho.
Fora do Mapa data de 2005 e relata a viagem de Moscovo até Pequim, feita em seis semanas por Jota e Quico. Deles se fica a saber que são portugueses, homem e mulher, e pouco mais. O blog também não parece ter a intenção de dar a conhecer os autores mas sim as impressões de uma viagem por três países, com culturas muito diferentes da nossa e com paisagens, climas e monumentos que qualquer pessoa gostaria de conhecer.
Lido agora, à distância já de meio ano, Fora do Mapa perde algum encanto, mas não perde interesse.
Os percalços, os problemas e os momentos de encanto e de fascínio, vão sendo relatados conforme a viagem decorre.
Sem ser um relato muito informativo, este registo é interessante até pelo que tem de pouco pretensioso.”

Terá sido através desta mediatização, para nós totalmente inesperada, a razão deste reacendimento de interesse? Seja como for, ficámos bastante satisfeitos com o reconhecimento a nós prestado!

Acerca das considerações do comment, não há contraditório da nossa parte. Subscrevemo-las. Destacamos a aguda referência ao “oportunismo” de alguma atitude backpacker, quando substanciada em “pressupostos de liberdade e autonomia, e serem eles próprios limitativos à espontaneidade”.

No entanto, e em jeito de provocação, deixamos no ar um desafio paralelo a esta temática. Que papel socio-económico pode (ou deve) ter o turismo, nas suas diversas formas, neste mundo globalizado?

Os beach-resords com cercaduras mar adentro da “República” (abreviatura popular em Portugal para dizer República Dominicana), apesar de serem pilares na economia local, são modelos sociais aceitáveis?
E as variantes Malásia, Varadero, Nordeste Brasileiro, Ilha do Sal ou São Tomé?

(Cá no burgo) Os novos empreendimentos turísticos previstos para Tróia, Melides e Costa Vicentina pretendem afastar-se do paradigma Algarvio mas serão assim tão necessários à economia do país e à ideia de fixar população e descentralizar? Não será apenas uma visão autárquica pressionada por interesses privados pouco esclarecidos (digamos assim) quanto ao bem comum?

O que é Turismo de qualidade? E Eco-Turismo?

É conhecida a abertura de espírito que as viagens operam nas mentes dos viajantes. Numa época de medos reflectidos no terrorismo, o turismo não poderá ser um importante veículo de integração social de culturas, raças e religiões (por oposição à dura realidade de outros viajantes - emigrantes e refugiados)?

E os meios de transporte? Automóveis, Comboios, TGV’s, Camionetas, TIR’s, Cruzeiros, Aviões? Tanto movimento aéreo frenético, low costs, aeroportos, preço dos combustíveis em ascensão imparável, para onde nos conduzimos?

Isto parece a Fátima Campos Ferreira a lançar o próximo Prós e Contras...

Anónimo disse...

UAU!

Palavra Alada disse...

Fantástico blog e viagem! Os meus parabéns, tem sido uma maravilha lê-lo.