05 outubro 2005

16. Longa Metragem

Sobre o vidro da janela do nosso compartimento projecta-se, em sessões contínuas, sempre a mesma longa metragem.
Ora comecemos a ver o filme na cena da estação de comboio. No cais uma série de Babushkas movimenta um cesto inchado, de carruagem em carruagem. Vendem aos passageiros comida quente, pastéis recheados, saladas de couve frescas, ovos cozidos. Umas há que trazem, num arame, peixe seco pendurado pela cabeça.
Saem de cena as Babushkas empurradas pela imagem de uma paisagem que vem surgindo pela direita.
A paisagem é amarela e assim vai continuar. Ao fundo, em vez da linha do horizonte há uma onda de árvores de copa parda. (Nem o homem maior e mais forte conseguiria lá chegar; a noite cairia primeiro e o frio mata-lo-ia.) Sob os tufos de erva amarela esconde-se água que por vezes se desvenda num ou outro lago.
Uma casa. Uma casa. Casas de cara virada ao sol. São casas de madeira cor de madeira, com cercas que só guardam montinhos de feno. Não há estradas nem carros. Só caminhos de lama seca ladeados pelas ervas amarelas. Uma casa. Desapareceu.
Volta mais erva amarela, as arvores ao fundo e agora umas mais à frente.
Um carro. Um carro! Uma estrada de alcatrão, uma ponte! Uma cidade com casas altas de betão.
Chegamos de novo ao cais, às Babushkas que vendem a comida, e depois volta a erva amarela a empurrar as Babushkas.
E a longa-metragem segue andando até a tela ficar preta por umas horas, à la Manuel de Oliveira.

uma paisagem: TODA a paisagem; reparem bem no que vende a Babushka; as casas que antecedem a TODA a paisagem

1 comentário:

Anónimo disse...

Realmente 80 horas enfiados num comboio é de um tipo ficar doido e alucinar!!!
Dei uma gargalhada quando vi o cliente da babusca ao lado do comboio!! que peça!!! foram esses os vossos companheiros de viagem!!??? contem contem, quero saber tudo
Hasta luego!!