01 novembro 2005

42. A Nova Era

Palavras de um General Russo em 1880:
"-Pequim é um monstro! -disse Camillof oscilando reflectidamente a calva. - E agora considere que esta capital, à classe Tártara e conquistadora que a possui, obedecem 300 milhões de homens, uma raça subtil, laboriosa, sofredora, prolifera, invasora... Estudam as nossas ciências [...] tem uma marinha formidável! O exercito, que outrora julgava destrocar o estrangeiro com dragões de papelão de onde saíam bichas de fogo, tem agora táctica prussiana e espingarda de agulha! Grave!"
(trecho de "O Mandarim", de Eça de Queirós)

Existirá um paralelismo com os dias de hoje?
Bom, em 125 anos, os chineses multiplicaram-se dos 300 milhões para mais de um bilião e, se na época eram um império em decadência, hoje são o país com a maior taxa de crescimento económico do mundo e, na perspectiva de muitos, os futuros lideres do séc.XXI.
Esta antevisão é perceptível a um mero transeunte atento nas ruas de Pequim. Tudo fibrilha! Que contraste com a taciturna Rússia. Uma super potência emergente e outra em submersão. Há, é claro, em ambos os países, marcadas diferenças internas de status social, mas a sensação com que se fica é um pouco esta: quem é prospero na Rússia ou é corrupto ou mafioso, ao passo que na China, há de facto "genuínas" oportunidades de proliferação económica e cultural, sobretudo para as gerações mais jovens!
A febre com que Pequim vive a organização dos Jogos Olímpicos de 2008 é bem o reflexo desta realidade. É uma fábrica em permanente laboração. Recuperam-se monumentos, constroem-se equipamentos, treinam-se atletas, faz-se nova cidade!
Parece inacreditável que isto se passe ainda sob um sistema comunista. Apesar da abertura ao sector privado e ao mercado livre, o peso da administração pública é ainda massivo. Há empregos estatais para todos os serviços possíveis e imaginários: abrir e fechar portas, recolher lixo à mão do balastro das linhas ferroviárias, obliterar bilhetes à entrada do metro, instruir os passageiros nas entradas e saídas das carruagens nas horas de ponta, etc. A classe trabalhadora organiza-se em unidades de trabalho e obedece à complicada (e histórica) burocracia chinesa. Do varredor de rua ao professor universitário todos tem que, periodicamente, reunir-se com as respectivas unidades em sessões de crítica e autocrítica, cujos relatórios seguem, para serem supervisionados, para o partido.
Pequim é paradoxal.
Por um lado Mao Tse Tung é venerado (o seu traje despojado é ainda moda popular nas gerações mais idosas) mas por outro, abundam, nos cidadãos e na cidade, sinais exteriores de riqueza ocidentalizados.
Nos média, a censura existe mas o controlo é infantil e facilmente subvertivel. Um exemplo: a última edição da revista Time foi vendida com páginas rasgadas (trazia um artigo sobre o Web Control na China), mas a sua edição on-line estava integralmente acessível.
A justiça é um meio obscuro onde a pena de morte é aplicada com ligeireza mas, passados 15 anos do massacre de Tianamen, não há manifestações de revolta interna visível e o ambiente não é, aparentemente, de opressão.
Pequim é uma das maiores cidades do planeta e sofre de muitas das mesmas doenças das suas congéneres mega-metropoles (trânsito caótico, poluição, etc). No entanto, está vacinada contra a epidemia da criminalidade urbana. A taxa é baixíssima (que diferença da sensação de insegurança em Ulaan Baatar). Como é isto possível dentro de tanta desigualdade? Será a perspectiva da pena capital dissuasora…?

"Pequim é um monstro! - disse Camillof [...]" O que lhe irá na alma?

1 comentário:

Anónimo disse...

Vocês escrevem uns posts tão reflectidos que interrogo-me se estarão mesmo de férias. Se fossem chineses, provavelmente seriam «profissionais da colocação de posts enquanto se viaja» e reuniriam periodicamente em Singapura (ou assim) para sessões de crítica e autocrítica, cujo relatório seguiria logo para o Comité Central, por via aérea e urgente, e com direito a postal ilustrado.

Há uns anos atrás, lá para os tempos do Marco Polo e mesmo depois – eu disse Polo, não confundir com o dos dois-amores-que-em-nada-são-iguais, está bem? – uma nação qualquer estabelecer relações cordiais com a China tinha o seu quê. O Império do Meio não tinha por hábito ver as outras nações como iguais, e estabelecia as relações diplomáticas na base de «os outros» serem vistos como uns súbditos simpáticos, a quem o Imperador quando muito tinha concedido a graça de se governarem a si próprios.

Naqueles tempos isso não era problema por aí além. A China ficava longe como ó caraças, quem é quer saber dessas manias do Imperador, sobretudo quando o dito yellow boss era um baril, e até oferecia aos súbditos umas praias chamadas Macau, e coisa e tal.

Mas agora... Pois. Mas agora há um outro caraças. É que como vós dizeis e bem, a China está com vontade de ser a nova hiperpotência. A Rússia já era, e os EUA já pouco mais conseguem fazer que vender guerra, fase de desenvolvimento que em termos de nações corresponde à venda dos anéis e das mobílias. E um tipo pergunta-se: - aqueles tipos da cidade proibida, quando estiverem lá no primeiro lugar do top ten voltarão a mentalidade segundo a qual os outros são quando muito uns súbditos porreirinhos, e portem-se bem senão há molho? É que o mundo ficou minúsculo, e se isso de comer com pauzinhos até daria de barato (excepto quando fosse sopa ou bitoque com ovo), já essa cena de andarem para aí a rasgar as folhas aos livros deixar-me-ia pior que estragado da molécula e arredores.

Continuação de boa viagem! Tudo de bom. E nada de andarem para aí a pregar cartazes nas costas do revisor do comboio a dizer «Visite o www.foradomapa.blogspot.com/».