03 novembro 2005

44. Improbabilidades em Vladivostok

No prefácio do Guia Lonely Planet com que nos temos orientado aqui pela Rússia, descobrimos um aviso interessante. Advertem para o facto da inclusão de um dado Lugar nas páginas do Guia implicar, regra geral, a sua recomendação. Por sua vez, a exclusão de um outro Lugar não implica uma crítica. Afirmam que existem numerosas razões para a exclusão de um Lugar mas nomeiam só uma: "por vezes é apenas inapropriado encorajar o afluxo de viajantes".
Muitos dos melhores momentos das nossas viagens têm sido precisamente quando somos nós a tropeçar num local, a conquistar um segredo que não vem nos guias.
Em Vladivostok o nosso primeiro instinto foi passear pelas suas varias marginais banhadas pelo mar do Japão (ali tão perto ó Xico!). Na verdade este foi o primeiro instinto depois do instinto número Zero, de cariz pratico, que nos levou a travar uma dura e infrutífera batalha em meia dúzia de casas de câmbio para nos vermos livres de seis contos em nota Mongol... que raiva termos ficado com este dinheiro que nem lá na Mongólia lhe dão valor.
Adiante! Para um passeio pelas marginais de Vladivostok não é preciso abrir o Guia: o mar aponta o caminho certo. E assim se seguiu um passeio pelas improbabilidades de Vladivostok.
Naquela urbe portuária (e Russa!) começámos por descobrir uma improvável praia de areia na curva de uma baía: ao fundo uma série de barcos atracados ou em doca seca; atrás um parque de diversões com uma verdadeira Montanha Russa e gritinhos histéricos; lá dentro, na água, uma escultura de diebuska em grande formato a arrepia-se ao banhar-se... ou estará ela arrepiada com a luta que um par de gaivotas faz por um lugar sobre a sua cabeça?
Menos provável ainda do que esta prainha foi o "delfinário" que vimos empacotado numa estrutura ferrugenta de qualquer coisa desactivada. Para além dos silvos dos golfinhos e, depois, de uma estranha bilheteira também enferrujada, nada nos faria dar atenção àquele complexo roído pelo mar.
Frente ao "delfinário", do lado-terra da alameda marginal, está um, desta vez provável, parque infantil cheio de baloiços e escorregas. Improvável era sim o material que revestia o chão de brincar-e-cair: seixos não rolados (dura simpatia Russa).
Já no regresso, tentando chegar pela marginal ao outro lado da península, atravessámos uma zona de bares em tendas plásticas. O caminho não mostrava propriamente sinais interessantes mas parecíamo-nos lógico que atalharíamos. Logo à nossa esquerda apareceram construções em tábuas de madeira azul com um típico ar balnear. Meio escondido no vão de uma porta, um russo sentado de tronco-nu dourado aproveitada os últimos raiozinhos de sol do dia. (Convém explicar que não estava "muito frio" nesta Terça-Feira em Vladivostok. O Mar tempera esta cidade mas mesmo assim estava um friozito daqueles que em Lisboa não se sentem.) Uns passos à frente e um casal dos seus 70 anos bem medidos, igualmente apanhando umas nesgas solares, lia estiraçados sobre uma cadeira de praia. Um terceiro homem aproxima-se deles. Vem de ténis, calcas de fato-de-treino e tronco-nu. "Paidiom-pa-igrate?" (que é como quem diz: bora lá jogar?) A mulher levanta-se. Tem no tronco um colete sem braços tipo "de penas" e a indumentária completa-se só com mais um par de botas até à canela. E toca de trocarem umas bolas de volei, com estilo, mestria e poderio físico.
Não tivemos tempo para pensar no que eram aquelas gentes rijas. Da direita, e em direcção ao Mar, surgiu um Russo (por certo nascido nos anos 30) de tanga preta. Com cuidadinho a descer as escadas e lançou-se ao banho numas braçadas aflitas de frio mas corajosas e sobretudos sãs! Da tal construção de madeira pintada a azul e de ar balnear saiu outro e depois outra. Com mais ou menos momentos de meditação acabaram todos dentro de água!
Satisfeitos por assistirmos a este improvável espectáculo, que não vinha no Guia, prosseguimos caminho. Os outros continuavam a jogar volei. Cruzamo-nos com o primeiro corajoso de tanga preta (continuava só de tanga mas estava no seu jogging).
O caminho não tinha saída nem dava a volta à península como pensávamos: uma vedação onde se lia "Solarium" estava em sombra pelo prédio de uma escola de dança; como barragem final e intransponível estava um recinto de exibições desportivas da armada Russa.
Voltamos uns metros para tras e subimos uma improvável escadaria em torre para chegar ao cimo da falésia. Sem Guia não nos perdemos e ainda ganhamos uma vista panorâmica sobre toda a marginal.


improvável banho de uma escultura com gaivota sobre a cabeça; improvável banho de gente humana; vista panorâmica

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